Dentre
todos os desprivilegiados, a mulher, ao longo da história, esteve entre os mais
humilhados dos seres: tornou-se proletária do proletariado e jamais conheceu
nenhuma experiência emancipatória. Seja nos tempos modernos, seja na Idade Antiga
ou Média, o discurso de inferioridade foi repetido diversas vezes, legitimando
um pensamento criminoso e de ódio.
Nesse
sentido, a mulher proletária sofre uma dupla opressão: é oprimida por ser
mulher e por pertencer à classe trabalhadora esmagada pela classe dominante. As
questões de classe juntam-se, ainda, à questão de raça: não devemos esquecer as
mazelas que atingem mulheres negras em todo o mundo.
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À esquerda, mulheres combatentes das fileiras das FARC-EP, Colômbia. À direita, mulheres das Forças Armadas de Cuba. |
Não
se pode, contudo, atribuir somente à classe burguesa a culpa de ter
transformado a mulher em escrava. Embora a burguesia tenha acentuado o grau de
humilhação, a subordinação da mulher ao homem surge com a superação da
sociedade primitiva e a implantação de uma estrutura social que permita a
divisão de classes. Isto é: a subordinação feminina surge com o advento da
propriedade privada.
Com
a consolidação da sociedade de classes, surgem teorias que tentam “naturalizar”
a desigualdade social. As classes dominantes justificam, por meios ideológicos,
toda e qualquer exploração através da ideia de que “os homens são
socialmente desiguais desde sempre”. E como o surgimento da desigualdade
social é ligado à subordinação de mulheres aos homens, surgem ideias para
tentar naturalizar tal subordinação.
Ideias
como “natureza deficitária”, “inferioridade natural do sexo feminino” e etc.,
são discursos que reforçam essa ideia e foram perpetrados por dogmas e
doutrinas religiosas e diversas instituições familiares. Tais ideias reforçam o
mito da superioridade masculina e submetem mulheres de todas as épocas a uma
sensação de abandono, humilhação, exploração e culpa.
A
naturalização da teoria da fragilidade feminina percorre eras e prossegue no
período da revolução industrial, mesmo com a abertura do mercado de trabalho
para as mulheres e com o avanço das forças produtivas. Mulheres passam a
trabalhar em fábricas sob condições humilhantes – muitas vezes, acompanhadas de
seus filhos no colo ou ao seu lado, também operando máquinas. Seu trabalho é
considerado complemento do trabalho masculino e por isso passam a ser menos
remuneradas.
A
inserção do trabalho feminino, combinada à modernização das máquinas, amplia o
exército industrial de reserva e acirra a concorrência entre trabalhadoras e
trabalhadores. O Capital transforma a mulher em um objeto que possibilita o
barateamento de salários e a máxima extração de mais-valia. Exaurindo-a e
humilhando-a, força-a a duplicar sua jornada de trabalho assim que chega a sua
casa: submetida ao homem, serve-lhe como a seu amo.
No
meio de todas estas contradições, surgem, ainda, regras e leis que recaem
exclusivamente ao corpo feminino. Postura e vestimentas passam pela
fiscalização cruel dos homens, que não lhes permite agir e viver do mesmo modo.
Tolhida de decidir como é o modo adequado de se vestir e portar, a mulher –
propriedade masculina -, segue sendo um ser social incapaz de escolher a hora
exata de ter suas primeiras experiências sexuais e de ser mãe. Por muito tempo
foram impedidas de se divorciarem, se manterem solteiras, se protegerem durante
o ato sexual e se decidirem pela liberdade de seus corpos.
Escravas
de espartilhos e anáguas durante séculos, a mulher sempre tentou modelar seu
corpo a um padrão físico imposto e jamais se libertou desse padrão. Atualmente,
são vítimas fáceis da gordofobia e desenvolvem com mais facilidade
distúrbios alimentares tais quais bulimia e anorexia. Estão no topo no que se
refere violência doméstica e continuam a receber menores salários. São expostas
e culpabilizadas quando sofrem agressões físicas e/ou morais.
Não
são livres de fato.
Concepção de movimento e inimigos no seio do
próprio movimento feminino
Por
esses e outros fatores, dentro do próprio movimento revolucionário, há de se
ter uma atenção especial ao caso das mulheres e da inserção das mesmas na luta.
A
atuação das mulheres na luta revolucionária é de fundamental importância para
que as mulheres tomem para si a tarefa de edificarem sua própria emancipação
por meio da revolução. A isso damos o nome de protagonismo feminino, que deve
se dar no seio da luta revolucionária e popular.
No
entanto, tal como a luta da classe trabalhadora, a luta das mulheres vem
passando por inúmeros processos de sabotagem. Os sabotadores não são somente os
“agentes externos”, inimigos abertos e declarados das mulheres -
sobretudo das proletárias. Há inimigos que atuam no seio do próprio movimento.
Um
dos maiores exemplos ocorre dentro da própria luta geral da classe
trabalhadora. Muitos pensam que o inimigo da luta (aquele que deve ser
combatido), é somente o empresário na sala executiva de uma multinacional que
espolia nosso povo. Esquecem-se, dessa forma, dos inimigos dos trabalhadores
que estão inseridos em movimentos dos próprios trabalhadores. Esquecem-se, por
exemplo, daqueles que, em datas especiais ligadas a luta, como o 1º de maio –
dia de luta dos trabalhadores – promovem atividades diluídas, muitas delas de
caráter fortemente festivo, que acabam por reduzir o potencial revolucionário
do trabalhador em atividades que deveriam ser ligadas unicamente à sua luta.
Igualmente
ocorre com o movimento de mulheres. Deve-se ter ciência que os maiores inimigos
do movimento feminino são, de fato, a misoginia, o patriarcado e as ideias que
naturalizaram erradamente a inferioridade feminina - e, como inimigos, são um mal
a ser extirpado! Mas há inimigos atuando lado a lado com a causa, bem como
concepções ideológicas e morais que são nocivas ao próprio movimento.
Aglutinações
como a “Marcha das Vadias” – que é um movimento, atualmente, de forte inserção
em mobilizações brasileiras de mulheres – expressam esses tipos de concepções
nocivas ao processo emancipatório feminino. De igual maneira, promove
atividades políticas diluídas que acabam por limitar ou reduzir o potencial
revolucionário da mulher – a exemplo dos “agentes internos” que reduzem o
potencial revolucionário da classe trabalhadora.
Além
da Marcha das Vadias, há diversos outros movimentos de mulheres que agem nesse
sentido. Assim como o reacionário e racista movimento FEMEN, existem diversos
coletivos que, de tão diluídos e estreitos (na questão feminina), se tornaram
piadas e são veementemente rechaçados pelos movimentos de mulheres mais
comprometidos.
No
caso da Marcha das Vadias, existem divergências de princípios que abarcam até
mesmo o nome do movimento. As mulheres que se livram das amarras do
conservadorismo e são vítimas de injurias e difamações por quererem ser livres,
recebem a alcunha de infinitos termos pejorativos, dentre eles, “vadias”. O que
cabe à mulher militante e consciente é cuspir de volta as difamações que
recebem provindas da moralidade burguesa. A Marcha das Vadias faz o contrário:
ao se apropriar delas, as banalizam.
Alguns
setores de mulheres negras fazem críticas justamente nesse sentido: é
irracional que as negras aceitem as difamações sobre seus cabelos crespos, seus
lábios carnudos e seus narizes largos. Por que, então, a mulher, de forma
geral, tem que se apropriar de uma calúnia que a inferioriza?
Outros
setores de movimentos de mulheres mais classistas, também levam a mesma crítica
à questão da apropriação de termos preconceituosos: “Como poderiam os
revolucionários serem complacentes quando lhes chamam de “terroristas”, ou
trabalhadores em greve de “vagabundos” ou “vândalos”?
Alguns
movimentos de mulheres no Brasil, hoje, partem de concepções morais e
ideológicas nocivas ao processo emancipatório feminino. Iremos de encontro a
isso pois tais movimentos não observam que, tanto o conservadorismo quanto o
niilismo moral, são apenas faces diferentes de uma mesma moeda: faces
diferentes da mesma moralidade burguesa.
Escolher
uma das faces da moralidade burguesa, a fim de se combater a outra, só ajuda a
manter os diversos estereótipos atribuídos às mulheres para fazer delas seres
inferiores. Manter tal moral burguesa não ajudará na plena emancipação da
mulher nem na edificação de uma autêntica moral revolucionária, pelo contrário:
ajudará a forjar novos meios de disseminação e manutenção da opressão.
Outras
concepções de movimento que são nocivas ao movimento de mulheres são as
concepções “esquerdistas” (i.e. estreitas, inversamente segregadoras) que
pregam uma espécie de “supremacia feminina”. Alegam que “a penetração sexual
na mulher pelo homem simboliza opressão, e submissão aos homens”, dentre
outras ideias sem sentido. Muitas atribuem a estes tipos de movimento, a
classificação de “femistas”. Felizmente tais concepções hoje, se encontram
quase inexistentes, embora volta e meia, se encontre uma ou outra militante com
tais concepções. E apesar desse tipo de concepção não ter força significativa
no movimento feminino, o movimento deve ficar atento e vigilante caso tais
figuras tornem a aparecer – para que, no seio do movimento, tais concepções
nocivas sejam combatidas.
Não
queremos dividir a classe trabalhadora entre trabalhadores homens e
trabalhadoras mulheres, e fazê-los digladiarem-se entre si em busca da
manutenção do privilégio (opressão) destes ou em busca da edificação de
privilégios (opressão) destas, mas sim, extirpar a opressão. O antagonismo que
devemos aguçar (e fazer prevalecer um dos lados) é o antagonismo do
imperialismo e da opressão de classe, que se dá contra o povo, contra a classe
trabalhadora; onde o imperialismo e os opressores devem ser pisoteados e
violentamente superados com a violência organizada das massas.
O que defendemos no movimento de mulheres?
É
por esse amontoar de coisas que decidimos pontuar em tópicos nossas posições
acerca da questão feminina, do que defendemos e do que combatemos. Os pontos
são os seguintes:
1
- Por entendermos que são as massas que comportam em si o potencial para
edificar a revolução: avaliamos que não se pode conceber tal processo
revolucionário somente com metade dessas massas, que são as mulheres!
2
- Por entendermos a opressão histórica que o sexo feminino foi submetido:
defendemos a libertação das mulheres das amarras que as prendem! Combatemos a
opressão classista, o machismo, a opressão transfóbica e dentre outras
opressões.
3
- Com base no direito de escolha pleno,
defendemos o acesso aos meios necessários para que a mulher possa ser mãe, com
total assistência e cobertura da rede de saúde pública!
4
- Por estarmos cientes de que mulheres pobres morrem em clínicas clandestinas:
defendemos a regulamentação do aborto com toda a proteção e acompanhamento do
Estado!
5
- Por sabermos da origem de classe do patriarcado: a emancipação da classe
trabalhadora!
6
- Pela vulnerabilidade da mulher negra a ser vista como mero símbolo sexual e
pelo constante esquecimento das questões de raça dentro das lutas feministas
emancipatórias: o “enegrecimento” do movimento feminino!
7
- Pelo crescente esquecimento da causa Trans* e por entender que gênero não se
define por órgãos sexuais: aproximação das mulheres Trans* ao movimento
feminino!
8
- Por entendermos que mulheres, através de si mesmas, unindo-se a si mesmas,
levantar-se-ão contra o patriarcalismo: protagonismo feminino!
9
- Por entendermos que mulheres não podem ser culpabilizadas por crimes que
sofreram e pela existência de políticas de gênero “ofensivas” disfarçadas como
proteção: políticas públicas que não segreguem mulheres de homens, mas que
punam com mais severidade todo homem que ousar humilhar, agredir ou abusar o
corpo feminino!
10
- Por entendermos que o trabalho feminino não é complemento do trabalho
masculino: política de igual salário para igual trabalho!
11
- Pelo pouco contingente feminino em lutas emancipatórias: incessante busca
pela inserção da mulher na luta revolucionária; bem como exaustiva busca por
formação de mulheres como quadros dirigentes para ocuparem espaços de liderança
na luta – lugar que se encontram ausentes!
12
- Por entendemos que a dissociação do caráter de classe, de raça e etc., bem
como a diluição são prejudiciais ao movimento de mulheres: combate a concepções
pequeno-burguesas e ao niilismo moral no seio do movimento feminino!
13
- Por estarmos cientes do controle que o corpo feminino sofre - seja pelos
padrões que enfrenta ou pelo conservadorismo que lhe tenta prender: liberdade
para que seu corpo não seja propriedade do outro, mas seu!
14-
que a liberdade sexual não se confunda com as concepções reprodutoras do
consumismo burguês que procuram transformar a histórica bandeira de libertação
do amor (“amor livre”) em mera “libertação da carne”, contribuindo na
objetificação e transformação das mulheres (e homens) em simples mercadorias a
serem consumidas.
Até
que não haja uma mulher submetida à exploração e humilhação, seguiremos
adiante. Até que todas as trabalhadoras tenham seu direito assegurado,
seguiremos adiante. Até que todos os religiosos fanáticos parem de ditar regras
para o corpo feminino, seguiremos adiante. Pela construção de uma sociedade
justa e emancipada que seja igualitária entre raças e sexos, seguiremos adiante
construindo um movimento feminino intrinsecamente ligado a emancipação dos
povos!
Seguiremos
adiante provando que as mulheres - sobretudo as mais simples de nosso povo,
possuem um potencial de luta inestimável e são capazes de fazer cair por terra
as armas de opressão que submetem seu gênero e a sua classe!
E
por fim, evidenciando-se esse assunto, se faz necessário lembrar de um relato
da guerra de libertação do povo vietnamita. Segundo o relato, uma mulher
camponesa e guerrilheira foi presa e submetida às mais dolorosas torturas. As
intenções eram de que ela respondesse a algumas perguntas que questionavam onde
estariam seus camaradas, seus filhos e seu marido. Ela resistiu mesmo sob a pressão
da dor da tortura, e tanto não soltou uma informação como nem uma palavra
sequer. A camponesa e guerrilheira acabou por morrer. No entanto, as respostas
para as perguntas que os torturadores faziam acerca de seus camaradas, filhos e
marido, estavam escritas na parede de sua cela, com seu próprio sangue:
Mulher de faces rosadas, eis-me aqui
com vocês homens,
Sobre os meus ombros, pesa o ódio que
nos é comum.
A prisão é minha escola, os
prisioneiros, os meus camaradas,
'Espada' é o nome de meu filho mais
novo, 'Fuzil' o do meu marido."